Entrevista com a Autora Isabelle Neves - Coleção Lauréis


Minibiografia: Isabelle Neves nasceu em Salvador (BA) e passou grande parte da vida no interior baiano. Em busca de seus objetivos, já morou no Rio de Janeiro e em Campinas. Graduanda de Engenharia Mecânica, é amante das ciências, palavras, música e jogos de xadrez.


Dose de Poesia: Comente um pouco como foi o seu despertar para a escrita. Em qual momento você passou a se intitular escritora?

Isabelle: Intitular-me escritora sempre foi um desafio. A autocrítica sempre esteve muito presente em meu processo criativo e, por essa razão, costumava afastar a ideia de que eu era, de fato, uma escritora. Dei meus primeiros passos na escrita aos seis anos, em um manuscrito com gravuras recortadas de livros e de revistas, o qual carinhosamente chamei de “Os cantores da fazenda”, uma história de realização de sonhos inspirada em “Os Saltimbancos”, do Chico Buarque.

A partir de então, apaixonada pela ficção e pelo mundo da fantasia, assídua leitora, encontrei no papel e nas palavras o meu momento de diversão plena, em que poderia transcrever sonhos, pesadelos e utopias. Aos doze anos, dei início à escrita de uma saga fantástica denominada “Anjos da Escuridão”, com imensa vontade de publicá-la, mas sem sucesso.

Assim, imergi em um bloqueio criativo no tange a histórias longas e, por essa razão, iniciei uma aventura pelo mundo – até então desconhecido – dos contos. Creio que minha percepção de que eu estava me tornando, de fato, uma escritora veio nesta época: aos quinze anos, fui selecionada para participar da antologia “Estranha BAHIA” da EX! Editora, em que escrevi um conto sobre o sertão da Bahia – meu lar – e sobre a Guerra de Canudos, denominado “Canudos XXI”. Assim, ao ver minha foto impressa em um papel amarelado, a sensação foi inigualável: imaginei outras pessoas segurando aquele livro e passando aquelas páginas com dedos assíduos, interessados e ansiosos pelo desfecho daquele suspense. Senti-me capaz de alcançar muito além do meu círculo social por meio de minhas ideias, vivências e valores – senti-me escritora.

Sob essa óptica, minha predileção por contos apenas aumentou e, no ano seguinte, participei da antologia “Noites Obscuras” da EX! Editora, desta vez com um conto de terror. “Molduras” foi uma experiência única, meu primeiro contato com uma narrativa em primeira pessoa, com temática sobre um assassino em série e um toque de gore.

Hoje, luto contra aquele bloqueio criativo após “Anjos da Escuridão” por meio da escrita de um romance histórico, cuja história remete à época da Ditadura Militar no Brasil, com efeito em problemáticas como violência doméstica, misoginia, racismo e desigualdade socioeconômica. “Canção de Morte de Lorenzo” é o resultado de uma escritora em construção e de uma mulher em constante desconstrução.

Por fim, para contemplar de forma ainda mais completa meu desenvolvimento, tenho a imensa felicidade de me aventurar, mais uma vez, por novas formas de escrita com a coletânea “Luas de Júpiter”, da Editora Scortecci. Inspirada em poetas e poetisas brasileiras, escrevi poemas que a caneta quase não quis escrever – por serem tão

íntimos a ponto de tornarem translúcido um pedaço de mim. Mas, afinal, que é a escrita senão desnudar-se de vergonhas e pré-conceitos? Que eu consiga, então, que estes versos cheguem aos leitores como um espelho para a alma e um acalento para o coração.


Dose de Poesia: Qual seu livro preferido? E qual livro você acha essencial para quem deseja ser escritor?

Isabelle: Escolher um livro preferido é uma das tarefas mais difíceis com as quais já me deparei. Isso porque tantas histórias nos acompanham ao longo de nossas vidas, momentos distintos que necessitam de afagos diferentes, mundos dos quais desejamos fazer parte quando o real já não é suficiente para nossa mente sonhadora. Entretanto, quando começamos a nos aventurar pelos labirintos misteriosos da literatura, alguns livros nos marcam pelo simples fato de representarem nossa iniciação naquele mundo. Para mim, este livro foi “Stardust – O Mistério da Estrela”, de Neil Gaiman. Um livro infanto-juvenil, mas repleto de reflexões profundas em meio à magia da história.

Neil Gaiman é, sem dúvidas, um dos meus escritores preferidos. Impressiono-me sempre com a habilidade dele em transformar assuntos muito delicados em uma história de fantasia para jovens, com leveza e humor nas palavras. Em seu livro “Coisas Frágeis”, reside um dos trechos que mais tocam profundamente em meu coração, em que ele discorre sobre a peculiaridade da maioria das coisas que consideramos frágeis, mas, na verdade, apesar de não nos darmos conta, são muito fortes. “Até os sonhos, que são as coisas mais intangíveis e delicadas, podem se mostrar incrivelmente difíceis de matar”.

Entretanto, um livro essencial para o início do meu processo de amadurecimento como escritora foi “O Visconde Partido Ao Meio”, do escritor italiano Italo Calvino, em que o autor aborda, de forma sutil e fantástica, como podemos descobrir o melhor de nós mesmos. Se pudéssemos, então, sermos partidos ao meio, talvez possamos sair de nossa “ignorante inteireza” e acharmos uma parte de nós ainda mais profunda e preciosa.

Dito isso, esta é uma sugestão profundamente pessoal. Foi um livro do qual gostei muito e que me marcou de várias formas, entretanto, a trajetória de um autor não está condicionada a um único gênero ou um único livro lido. As diferentes experiências e vivências são ponto crucial para uma escrita original, para que a gente encontre nosso próprio jeito de expor nossas histórias.

Desse modo, o que posso dizer, por fim: Leiam. Leiam bastante sobre o gênero que querem escrever. Tenham boas referências desse gênero. Toda forma de literatura é válida!


Dose de Poesia: Como foi o seu desenvolvimento criativo para participar dessa obra?

Isabelle: Devo confessar que o convite para participar da Coleção Lauréis me pegou desprevenida. Embora eu tenha sido uma das selecionadas para o 2º Prêmio Literário AFEIGRAF 2020 com o poema “Corpo-poema”, a poesia nunca foi o principal gênero em minhas escritas. Meus versos sempre foram mais contidos, mais íntimos,

escondidos nas páginas de um caderno qualquer que ficava trancafiado em uma de minhas gavetas.

Entretanto, desde que assisti à Sociedade dos Poetas Mortos, no meu primeiro ano do Ensino Médio, apaixonei-me particularmente pelas possibilidades da escrita poética, desde a estrutura do texto até a escolha das palavras. Assim, aproveitando-me da paixão pela confluência das ciências exatas e das linguagens, encontrei meu espaço para utilizar conhecimentos da Física em minhas divagações intimistas – inspirada, em grande parte, pelo poeta brasileiro Augusto dos Anjos.

Dessa forma, o processo criativo para participar da Coleção Lauréis com tantos poemas inéditos foi, sem dúvidas, um desafio para mim. Estando há algum tempo sem rascunhar poemas – apenas crônicas –, enfrentei um período de bloqueio criativo, o qual foi superado a partir da leitura de poemas fora da minha zona de conforto, como os de Ana Cristina César e os de Hilda Hilst, em que me deparei com reflexões muito profundas acerca de temas mais pessoais e, na mesma medida, de causas sociais.

Nesse contexto, os poemas presentes na Coleção Lauréis são, em parte, frutos de um trabalho de ourives – muito pensados, sob forte autocrítica e muitas revisões – e, em parte, de uma inspiração arrebatadora. O caminho da escrita em si nunca é constante: às vezes, passamos por momentos de coragem insana, em que acreditamos ser capazes de pôr o que quisermos no papel de forma contínua, intensa e apaixonada. Às vezes, porém, deparamo-nos com nossos próprios demônios ao encarar uma folha em branco, intimidadora, e, não raro, temos vontade de desistir. A escrita, sobretudo, também é sobre superação. Acredito que isso descreva bem meu caminho neste desafio que foi participar da Coleção Lauréis.


Dose de Poesia: Quais são os desafios diários de ser escritora? (Como você lida com a procrastinação? Com medo de não corresponder às expectativas? Às vezes bate aquela sensação de insegurança, sensação de não ser bom o bastante? Como você vence os bloqueios criativos de modo geral?)

Isabelle: Acredito que a autocrítica é ingrediente constantemente presente na rotina de alguém que almeja escrever para um público. O receio de não corresponder às expectativas de possíveis leitores certamente é algo que me assombra com certa frequência. Afinal, ainda que nos mantenhamos fiéis a nosso estilo e a nossas vivências, não escrevemos apenas para nós mesmos. Também escrevemos para o outro e, em determinada medida, escrevemos para que o outro também se veja naquela obra, naquela prosa, naquele verso.

Assim, não é raro acontecer um bloqueio criativo – podendo durar meses. Costumo crer que tudo depende da somatória dos momentos que estamos vivendo e que, independente de não estarmos produzindo diretamente, é importante estarmos sempre em contato com a literatura. Conhecer gêneros diferentes, autores diferentes e, sobretudo, conversar com pessoas que vivem a mesma história – outros escritores. A troca de experiência é crucial para termos novas ideias de como ultrapassar momentos de dificuldade na escrita, para tirarmos dúvidas.


Dose de Poesia: Falando do texto em si, o que você mais gosta de escrever?

Isabelle: Eu amo escrever prosa, em especial crônicas, inspirada principalmente pelo “poeta das crônicas”, Rubem Braga, e pela inigualável Clarice Lispector. Meu inicial caminho com a fantasia deu lugar à predição por uma prosa um pouco mais intimista, tentando trazer à tona a coragem de ser vulnerável por meio das palavras. A começar pelo conto “Amiúde” – publicado na plataforma Wattpad, é um drama ambientado no Brasil nos anos 80 a partir da visão de uma mulher que sofre as consequências da misoginia escancarada –, comecei a utilizar mais elementos da realidade em minha escrita. Hoje, tenho imenso prazer em escrever crônicas com uma linguagem mais leve – quase uma conversa com o leitor – e com reflexões que sempre quis externar. Quando acendem aqueles vinte segundos de coragem, posto-as em minha página na plataforma Medium ou no meu perfil do Instagram (@contosdemarias).


Dose de Poesia: Como se sente sendo uma das integrantes da Coleção Lauréis?

Isabelle: Em muitos níveis, realizada e honrada. Conversando com os organizadores da coleção, soube que esta é a primeira edição em bastante tempo desde a idealização do projeto. Senti-me honrada por ter sido escolhida, entre tantos outros bons jovens autores, para um momento tão memorável na editora Scortecci. Ademais, é uma alegria inenarrável possuir o nome em um livro impresso, tão amplamente divulgado. É assustador e, ao mesmo tempo, acalentador saber que outras pessoas – talvez algumas que nem eu mesma conheça – podem se identificar com minha questões e meus sentimentos. É um prazer dividir este livro com o Marcos, o Leandro e a Alice, autores incríveis e muito criativos, e tenho a certeza de que todos trilharão um caminho brilhante na escrita.


Dose de Poesia: Pretende lançar novos projetos literários?

Isabelle: Escrever é um refúgio. Pretendo continuar colocando ideias no papel, independente do tipo textual. Entretanto, como um objetivo mais a longo prazo, pretendo lançar ao público o livro “Canção de Morte de Lorenzo” que, até então, tem reunido tudo o que aprendi nestes anos de prática da escrita. Por compreender que a minha arte não pode ser dissociada de uma manifestação política – especialmente por ser mulher nordestina em um país estruturalmente patriarcal –, “Canção de Morte de Lorenzo” é um grito de protesto e um espaço livre para aqueles que desejam, por meio da arte, questionar as estruturas da nossa sociedade.

Ademais, seguindo este desafio proposto pela Coleção Lauréis, quero continuar me aventurando por novos horizontes, quiçá publicar as crônicas que tanto tenho gostado de escrever.


Dose de Poesia: Como você vê o mercado editorial para os novos autores? Quais são os principais desafios para quem quer publicar?

Isabelle: Vejo o mercado editorial um pouco mais flexível hoje. Com o advento dos livros digitais e das diversas formas de divulgação por meio das redes sociais, mais escritores iniciantes têm a possibilidade de publicar um livro – ou, ao menos, fazer parte de um. Infelizmente, no Brasil, os custos da impressão de livros são

demasiadamente altos e, aliado a isso, devido à cultura de predileção a best-sellers internacionais, disponibilizamos pouco espaço para que escritos iniciantes possam despontar no cenário. Sob esse viés, o marketing aliado à venda dos livros era muito dificultado, muito porque a cultura de “não comprar livros físicos de nomes desconhecidos” era muito forte – dado o preço destes. Com o aumento de popularidade das plataformas digitais, o escritor iniciante possui um espaço um pouco mais confortável para disponibilizar seus livros a preços baixos (ou gratuitamente) a fim de que outras pessoas possam conhecer o trabalho. É claro que, em meio a tantos conteúdos publicados diariamente, precisamos ter perseverança para que a divulgação das obras alcance um bom público. Desse modo, eu vejo um caminho promissor para autores que estão começando a despontar no cenário, investindo na divulgação própria de suas obras e publicando por editoras independentes de forma física ou digital.

Parafraseando um cantor do meu sertão, Adelmário Coelho, toda caminhada começa com um primeiro passo. Assim, para os escritores que querem publicar pela primeira vez: arrisquem a publicação de forma independente e perseverem no compartilhamento da obra com outras pessoas. Todos começamos com poucos leitores, mas cada um deles é de extrema importância para nosso posterior crescimento.


Dose de Poesia: Qual mensagem você deseja passar para seus leitores/futuros leitores?

Isabelle: Quero mostrar o quanto a escrita pode ser libertadora. Acima de tudo, como nossas obras também podem ser um ato político. Como mulher nordestinas, cresci ouvindo que o sertanejo é, antes de tudo, um forte. Cresci amando o torrão adorado do meu sertão brasileiro e seus filhos varonis, orgulhando-me da resistência ferrenha daqueles que têm, cada um, um sol sob a cabeça. Cresci ao lado de uma das maiores comunidades indígenas ainda resistentes no Nordeste – a Terra Indígena Massacará –, entendendo sua luta para prosseguir afirmando sua cultura e garantindo terras suas por direito.

Nessas duas décadas de crescimento, a arte sempre me acompanhou. Acostumei-me a organizar as palavras no papel e, ainda que me utilizasse de artifícios metafóricos, nunca dissociei meu conteúdo artístico da crítica que trago comigo. “Amiúde” e “Canção de Morte de Lorenzo” são os maiores exemplos disto. Com eles, quero mostrar o quanto podemos berrar, mostrar a realidade do nosso povo – suas mazelas e suas alegrias – e exigir respeito desta pátria que maltrata e marginaliza seus filhos. Quero mostrar que, na literatura, reside bravura, amor e liberdade.

Por fim, desejo apenas que minhas palavras, de alguma forma, possam tocar no coração dos leitores de forma catártica. Que tenhamos aquela sinergia única e mágica por sermos ligados por nosso interesse em comum – a literatura


A obra já tem data de lançamento e será através de live durante a Semana Scortecci de Literatura (de 9 a 15 de agosto de 2021), evento que comemora o aniversário de 39 anos do grupo editorial.

 

No dia 13 de agosto, das 19h30 às 21h, será realizado o evento virtual, aberto ao público através da plataforma Zoom – ID 725.467.5353 

(Link: https://us02web.zoom.us/j/7254675353) com a presença dos autores e convidados especiais. 

Em breve, a obra Luas de Júpiter – Coleção Lauréis 2021 será comercializada na Livraria Asabeça (www.asabeca.com.br), principais e-commerces e marketing places do Brasil a partir de agosto de 2021. 


Eu amei conhecer um pouco mais sobre a Isabelle, amei demais as respostas e já anotei todas as sugestões de leituras.

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Kleyde Azevedo. Canceriana, 25 anos, Baiana, Escritora, 5 livros publicados, Engenheira Eletricista e pós graduanda em energias renovavéis. Apaixonada por Harry Potter, livros, séries, chocolates, cheiro de chuva, culinária e viagens. Fotógrafa amadora e atriz nas horas vagas. Não começa o dia sem uma xícara de café nem termina sem uma de chá.

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